Translate

sexta-feira, 21 de março de 2014

Helena





Não era menos que 3:00 horas de uma madrugada tipicamente paulista, a chuva cumpria o seu papel mórbido em meio ao silêncio do bairro.

Entrei no escritório e coloquei a arma engatilhada sobre a mesa, Helena me aguardava comportada sobre a cadeira de couro, seus braços encolhidos no corpo anunciava o teatro que viria seguir sobre aquela angustiante madrugada.

Sentei- me logo esperando que o monólogo tivesse um desfecho milagrosamente rápido, mas sempre me arrependo de desejar o que evidentemente não iria acontecer.

Helena inicia um pedido de desculpas padrão para quem comete erros estúpidos e grosseiros contra quem tem ao menos um afeto. O diálogo era tão desinteressante que por um instante me transportei para a cama que aguardava em minha casa, mas o vento que o ventilador produzia me trouxe logo em seguida. Helena falava sobre seus erros como se o meu coração demonstrasse qualquer interesse mínimo, embora meu olhar poucas vezes encontrasse os dela.

Minha pistola permaneceu sobre a mesa, havia 5 balas que aguardavam o seu breve uso logo após o sacrilégio de fazer parte dos problemas desta mulher. Helena repetia palavras em um total transe narcisista, colocava em pauta qualquer suposto fato como resposta para suas razões, seguia a linha frágil da comoção sem êxito.

Meus cigarros acabaram e Helena não fumava, o que tornava aquela situação constrangedora ainda mais insuportável e tediosa, foi quando ela olhou profundamente em meus olhos, estava ela esperando uma resposta? Não escutei ao menos a pergunta...

Helena volta a falar de sua vida de casada, mas insistia em deixar claro que me amava incondicionalmente, sua voz se tornou enjoativa, cheia de promessas e confusões existenciais, porém continuava longe de um final.

Minha cadeira precisava de reparos, talvez um óleo resolvesse o rangido das articulações do assento, que seja, era apenas um pensamento para continuar distante do que aquela mulher dizia.

O silêncio retornou para sala, Helena novamente estava me olhando fixamente, esse foi o momento que quebrei o meu voto de silêncio:

- Deixei você partir, viver outra vida que não fosse esta, agora você volta depois de 3 longos anos dizendo que deseja tudo outra vez?  Procuro uma maneira elegante de dizer que você está longe de sua sanidade mental.

Helena despejou outro caminhão de experiências tão confusas quanto à atitude de reaparecer em minha vida, falava sobre os defeitos de seu marido, como ele se comportava diante das dificuldades, como ele a buscava durante as noites. Meu Deus, as náuseas voltaram quase incontroláveis e era chegada a hora de terminar esse purgatório.

- Helena você desejou ir embora, foi a sua escolha, não lhe faltou tempo para tomar sua decisão. Eu poderia interferir, poderia ter lhe forçado a aceitar sua antiga decisão de estar ao meu lado, sim, contra sua vontade, mas você queria viver, era jovem, e eu simplesmente deixei você partir como desejava. Eu sofri com sua partida, precisei de metade destes anos para voltar do calabouço que você me aprisionou. Você sorria enquanto eu chorava na minha casa grande e vazia, não me venha dizer que sua vontade é voltar. Hoje você vai aprender a viver e morrer com suas próprias escolhas.

Helena executou um silêncio absurdamente devastador, logo notei que algo errado estava ocorrendo dentro do coração desta mulher.Ela ergueu- se da cadeira e se serviu do whisky 12 anos que tinha em minha mesa, engoliu como água, sacou a minha pistola da mesa e disparou as 5 balas contra meu peito.

Meu corpo perdia os sentidos e Helena chorava sobre as balas cravadas em meu peito, porém meu rosto quase desfalecido traçou um enorme sorriso diante da comoção da pobre mulher que de joelhos tentava erguer minha cabeça. Helena olhava em meus olhos e então proferi minhas ultimas palavras:


- Por que você chora? Você já me matou á 3 anos atrás Helena,  essas balas são mero simbolismo diante de tudo...

Nenhum comentário: