Não era menos que 3:00 horas de uma madrugada tipicamente
paulista, a chuva cumpria o seu papel mórbido em meio ao silêncio do bairro.
Entrei no escritório e coloquei a arma engatilhada sobre a
mesa, Helena me aguardava comportada sobre a cadeira de couro, seus braços
encolhidos no corpo anunciava o teatro que viria seguir sobre aquela
angustiante madrugada.
Sentei- me logo esperando que o monólogo tivesse um
desfecho milagrosamente rápido, mas sempre me arrependo de desejar o que
evidentemente não iria acontecer.
Helena inicia um pedido de desculpas padrão para quem comete
erros estúpidos e grosseiros contra quem tem ao menos um afeto. O diálogo era
tão desinteressante que por um instante me transportei para a cama que
aguardava em minha casa, mas o vento que o ventilador produzia me trouxe logo
em seguida. Helena falava sobre seus erros como se o meu coração demonstrasse
qualquer interesse mínimo, embora meu olhar poucas vezes encontrasse os dela.
Minha pistola permaneceu sobre a mesa, havia 5 balas que
aguardavam o seu breve uso logo após o sacrilégio de fazer parte dos problemas
desta mulher. Helena repetia palavras em um total transe narcisista, colocava
em pauta qualquer suposto fato como resposta para suas razões, seguia a linha
frágil da comoção sem êxito.
Meus cigarros acabaram e Helena não fumava, o que tornava
aquela situação constrangedora ainda mais insuportável e tediosa, foi quando
ela olhou profundamente em meus olhos, estava ela esperando uma resposta? Não
escutei ao menos a pergunta...
Helena volta a falar de sua vida de casada, mas insistia em deixar
claro que me amava incondicionalmente, sua voz se tornou enjoativa, cheia de
promessas e confusões existenciais, porém continuava longe de um final.
Minha cadeira precisava de reparos, talvez um óleo
resolvesse o rangido das articulações do assento, que seja, era apenas um
pensamento para continuar distante do que aquela mulher dizia.
O silêncio retornou para sala, Helena novamente estava me
olhando fixamente, esse foi o momento que quebrei o meu voto de silêncio:
- Deixei você partir, viver outra vida que não fosse esta,
agora você volta depois de 3 longos anos dizendo que deseja tudo outra
vez? Procuro uma maneira elegante de
dizer que você está longe de sua sanidade mental.
Helena despejou outro caminhão de experiências tão confusas
quanto à atitude de reaparecer em minha vida, falava sobre os defeitos de seu
marido, como ele se comportava diante das dificuldades, como ele a buscava
durante as noites. Meu Deus, as náuseas voltaram quase incontroláveis e era
chegada a hora de terminar esse purgatório.
- Helena você desejou ir embora, foi a sua escolha, não lhe
faltou tempo para tomar sua decisão. Eu poderia interferir, poderia ter lhe
forçado a aceitar sua antiga decisão de estar ao meu lado, sim, contra sua
vontade, mas você queria viver, era jovem, e eu simplesmente deixei você partir
como desejava. Eu sofri com sua partida, precisei de metade destes anos para
voltar do calabouço que você me aprisionou. Você sorria enquanto eu chorava na
minha casa grande e vazia, não me venha dizer que sua vontade é voltar. Hoje
você vai aprender a viver e morrer com suas próprias escolhas.
Helena executou um silêncio absurdamente devastador, logo
notei que algo errado estava ocorrendo dentro do coração desta mulher.Ela ergueu-
se da cadeira e se serviu do whisky 12 anos que tinha em minha mesa, engoliu
como água, sacou a minha pistola da mesa e disparou as 5 balas contra meu peito.
Meu corpo perdia os sentidos e Helena chorava sobre as balas
cravadas em meu peito, porém meu rosto quase desfalecido traçou um enorme
sorriso diante da comoção da pobre mulher que de joelhos tentava erguer minha
cabeça. Helena olhava em meus olhos e então proferi minhas ultimas palavras:
- Por que você chora? Você já me matou á 3 anos atrás
Helena, essas balas são mero simbolismo
diante de tudo...
Nenhum comentário:
Postar um comentário